Sergio Alves Noleto
Dono da sapataria SAN
Onde se cultivava a arte de sapateiro
Com amor à profissão
A sapataria era ali na Rua Bahia
Onde hoje tem uma loja de óculos.
O prédio ainda é o mesmo
O lote ia da Rua Bahia até o fundo do João Come Cru
Que tinha esse apelido por causa da brabeza.
A sobrinha do Come Cru,
Uma garota muito bonita
Que não punha sequer a cara na janela
Passava boa parte do dia na área de serviços
Cuidando dos utensílios de cozinha
E os sapateiros se deliciavam à distância
Com a bela e juvenil visão
Sergio,
O mestre dos cortadores
Transformava fotos em peças
Com rara habilidade
E a peça era perfeita
Como o próprio original
João Amâncio e Jovino
O Fábio e o Rádio
Reberão e Cambim
A Baixinha e Enedina
Alonso e Mariano
Foram sapateiros
Que testemunharam muitos casos
Da sapataria SAN
Como aquele
Do homem que convidou Jovino para almoçar
E serviu uns canudinhos fritos
Saborosos e crocantes.
Só depois a dona da casa contou
Que a carne era de macaco
Aí que Jovino deduziu
Que aqueles canudinhos eram o rabo do danado.
Outro caso, o do Fábio,
Cujo apelido era Picape
- grafado assim mesmo em português –
Arranjou um namoro
Com uma moça de família rica
E foram se encontrar
Num domingo à tarde
No Largo do Tizeco
Debaixo dum pé de manga
Namorados frente a frente
Sentados em tamboretes
Sob a árvore aconchegante
No começo da conversa
O Picape, muito tímido
Sem saber o que fazer das mãos
E sem saber onde por os pés
Cruzou as pernas e deixou à mostra
Horrível meia de algodão
De xadrez azul e vermelho
Quando viu o próprio pé
Sapato bem polido
Mas a meia parecendo uma zebra
Com listras pretas e vermelhas
Se levantou sem jeito
Na sua trapalhada
O tamborete caiu
Ele se embaraçou no móvel
E caiu também
Levantou catando cavaco
E esticou na carreira
Nunca mais viu a Iraídes.
O caso que conto agora
Tem quatro protagonistas
Uma cobra jararaca
Um calango verde
Um gato desconhecido
E o dono da sapataria.
O dono, você já conhece
Era o Sergio
Chamado também de Castanhão
Que numa segunda de ressaca
Embora fosse abstêmio
Levantara com a avó atrás do toco.
Voltando da latrina
Lá no fundo do quintal
Viu uma jararaca
Da grossura do seu mindinho
Engolindo um calango verde
A cabeça do calango já tava dentro
Mas ainda faltava o corpo e o rabo
E mais difícil ainda faltava
Engolir as quatro pernas.
Diante de cena tão estranha
Castanhão ficou encabulado
Sem crer que a serpente conseguisse
Terminar sua empreitada.
Mas por via das dúvidas
Porque a natureza tem seus mistérios
Sergio decidiu pagar para ver
Se aquela cobrinha tinha elasticidade bastante
Para agasalhar em suas entranhas
Um calango muito maior que ela
Tanto na grossura
Quanto no comprimento
Pegou um barbante e amarrou no rabo do calango
– Que já estava morto –
E prendeu o barbante numa sucupira branca
Que havia no quintal
Para acompanhar o deslinda da engolição.
Passou o dia, chegou a noite
E a jararaca não logrou evoluir um milímetro sequer
Em sua tarefa alimentar.
Na manhã de terça-feira
Sergio em sua visita matinal à latrina
Registrou o resultado da inusitada experiência:
O calango lá estava
Preso à sucupira
Mas da cobra só restava a cabeça
O resto fora devorado por um gato
Que comeu
Desde a ponta do rabo
Até rente à cabeça do calango.
24/01/2015. |